Diferentemente do canabidiol (CBD), o tetra-hidrocanabinol (THC) costuma ser alvo de especulações e preconceitos, o que dificultou por muitos anos o entendimento sobre os seus mecanismos de atuação no Sistema Endocanabinoide (SEC) e os seus diversos potenciais terapêuticos.
Um dos principais pontos na discussão sobre o THC diz respeito a sua toxicidade e seu potencial de causar e/ou piorar as funções neurológicas e os transtornos psiquiátricos. No entanto, hoje está claro que em um contexto de uso medicinal dessa molécula, onde existe conhecimento técnico adequado e assertividade prescritiva, o THC apresenta importantes propriedades terapêuticas e mínimos efeitos colaterais , não à toa, as pesquisas só crescem a respeito desse fitocanabinoide.
Para prescrever derivados canabinoides com eficácia e segurança, trazemos neste texto os principais mitos e verdades sobre a toxicidade do THC . Leia o post e acesse conhecimento científico de qualidade para quebrar paradigmas e melhorar os resultados dos seus pacientes.
É possível ter uma overdose letal com altas doses de THC?
Até o momento, não existem estudos científicos que identificaram associações estatísticas significativas entre uso de Cannabis e morte ou sequelas graves por overdose.
A explicação pela qual overdose por Cannabis é dificílima de ocorrer é devido à quase inexistência de receptores canabinoides nos centros respiratório e cardiovascular do tronco cerebral. Os poucos relatos de morte por overdose equivocadamente associados à Cannabis no mundo estão associados ao uso de derivados sintéticos da planta ou ao uso concomitante abusivo de outras drogas lícitas e ilícitas.
>> Leia mais informações sobre a dose média letal após a administração oral de THC no Relatório do Comitê de Dependência de Drogas da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2018: World Health Organization. Section 3: Toxicology. in Delta-9-tetrahydrocannabinol (2018).
O efeitos colaterais do THC
Os efeitos colaterais potencialmente relacionados ao uso medicinal de THC são leves, transitórios e frequentemente associados ao início do tratamento ou a momentos de ajustes de doses. Dentre os mais comuns, podemos citar: taquicardia, hipotensão arterial, ressecamento de mucosa oral, ressecamento e vermelhidão ocular, sonolência, prostração, tontura, cefaleia e alterações no trânsito intestinal.
Efeitos colaterais graves como crises de ansiedade, alucinações e psicoses são raríssimas em um contexto prescritivo técnico e assertivo. E mesmo quando ocorrem, são em maioria, temporários e manejáveis com o auxílio de outras medicações.
Existem estratégias terapêuticas para evitar e amenizar potenciais efeitos colaterais do THC. Uma delas é baseada no efeito entourage ou efeito em comitiva, uma relação sinérgica que ocorre entre todos os compostos químicos presentes na planta, modulando potenciais efeitos adversos do THC e potencializando seus efeitos terapêuticos.
Diferentes estudos já demonstram, por exemplo, que o CBD é capaz de regular efeitos indesejáveis do THC como taquicardia e sedação. A mesma sinergia entre CBD e THC acontece para potencializar efeitos analgésicos e anti-inflamatórios e otimizar os resultados no controle da dor crônica e de sintomas de outras doenças como esclerose múltipla, alzheimer e epilepsia.
>> Confira artigos que explicam mais sobre o efeito entourage aqui:
Psicoatividade vs Psicotoxicidade
Para desconstruir mitos e paradigmas é preciso compreender os conceitos de psicoatividade e psicotoxicidade.
A alteração do estado de consciência induzida por uma substância é o que chamamos de psicoatividade. No caso da Cannabis, tanto o THC quanto o CBD provocam tal alteração. Por isso, é tecnicamente equivocado dizer que o CBD não é um elemento psicoativo.
Reações psicoativas decorrentes do uso de CBD podem incluir sonolência e prostração, a depender da dosagem e modo de administração, bem como, um maior estado de alerta, atenção e aumento da disposição.
Da mesma forma, a depender do modo de administração e da estratégia prescritiva, a psicoatividade do THC pode estar associada a sensações de bem-estar, relaxamento, aumento do prazer e intensificação sensorial na realização de atividades cotidianas.
Notem que essas reações são completamente distintas de sinais e sintomas de psicotoxicidade, caracterizados por alucinações visuais e auditivas, sensação de paranoia e perseguição, ansiedade generalizada, confusão mental e intensa agitação psicomotora.
Através do uso de produtos qualificados e laboratorialmente testados e, principalmente, de uma estratégia prescritiva segura e eficiente, é possível explorar a psicoatividade do THC para auxiliar pacientes em intenso sofrimento físico e psíquico, como frequentemente observamos em pacientes portadores de transtornos neurológicos, câncer e quadros de dor crônica refratária e incapacitante.
THC mata neurônios?
Um dos mitos mais difundidos em relação à Cannabis até hoje é o seu suposto potencial de matar os neurônios dos seus usuários.
A ideia de que “maconha mata neurônios” disseminou-se a partir de um estudo conduzido na Universidade de Tulane, em 1974, que expôs três macacos Rhesus à inalação de 30 cigarros de Cannabis ao dia (aproximadamente mil cigarros/mês), durante um período de 12 meses.
O experimento resultou na morte precoce desses animais, e o estudo histopatológico do tecido cerebral deles evidenciou dano e morte neuronal.
Análises de pesquisadores independentes concluíram que a causa da morte desses animais foram, na verdade, hipóxia e isquemia resultantes da intoxicação por monóxido de carbono. E nenhum outro grupo de pesquisadores no mundo conseguiu até hoje reproduzir “a metodologia científica” aplicada nesse estudo e concluir resultados similares.
É verdade que o THC, a depender da dosagem e forma de administração, pode sim, causar alterações nos processos de aprendizagem e memória, o que é bastante distinto de dizer que a substância induz a morte de neurônios.
Ao contrário do que foi amplamente disseminado nos últimos anos, o THC demonstra o potencial de preservar e regenerar neurônios devido às suas propriedades anti neuro inflamatórias e anti neuro oxidantes, como bem demonstrado nessa pesquisa, onde roedores adultos apresentaram um aumento no número de neurônios no hipocampo e uma melhora na performance cognitiva à administração supervisionada de diferentes doses de THC.
>> Lei a pesquisa completa: Delta-9-Tetrahydrocannabinol (∆9-THC) Induce Neurogenesis and Improve Cognitive Performances of Male Sprague Dawley Rats
Por isso, essa e diversas outras pesquisas apontam que o uso medicinal e assertivo de fitocanabinoides, incluindo o THC, pode ser um recurso farmacológico promissor no tratamento de doenças neurodegenerativas, como Demência de Alzheimer, Esclerose Múltipla, Epilepsia, Transtorno do Espectro Autista, Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica e Paralisia Supranuclear Progressiva.
THC tem potencial medicinal?
O THC apresenta propriedades terapêuticas únicas, que se destacam, inclusive perante o CBD e outros elementos químicos da Cannabis.
O THC é fundamental em casos de dor crônica, pois atua em receptores endocanabinoides tipo 1 do córtex sensitivo-motor e da amígdala, modulando os componentes emocionais e cognitivos relacionados à percepção da dor.
Também é bastante evidente o efeito anti-espasmódico e relaxante muscular do THC. A primeira formulação à base de Cannabis registrada em vários órgãos regulatórios do mundo, o Sativex®, foi aprovada para tratamento da dor associada à espasticidade da Esclerose Múltipla.
Outra importante propriedade do THC, especialmente quando associado ao terpeno mirceno, é a indução do sono. Diferentes estudos têm demonstrado esse potencial terapêutico do THC. Inclusive, na prática, é comum conseguirmos reduzir e desmamar o uso de benzodiazepínicos e outros indutores do sono de pacientes que sofrem de insônia e demais transtornos do sono.
O potencial anti-emético é mais uma propriedade medicinal do THC já bastante conhecida e explorada. Vários estudos, como o publicado por Meiri et al. (2007) já demonstraram uma redução dramática na emese associada ao uso de quimioterápicos com o uso de canabinoides sintéticos, como o dronabinol e a nabilona. Não à toa, esses medicamentos à base de cannabis já estão registrados no FDA, nos EUA, desde a década de 80 para tratamento de náuseas e vômitos associados ao uso de quimioterápicos.
Referências
Russo, Ethan B. “Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects.” British journal of pharmacology vol. 163,7 (2011): 1344-64. doi:10.1111/j.1476-5381.2011.01238.x
SULIMAN, Noor Azuin. Delta-9-Tetrahydrocannabinol (∆9-THC) Induce Neurogenesis and Improve Cognitive Performances of Male Sprague Dawley Rats. Neurotoxicity Research, Serdang, v. 2, n. 33, p. 402-411, set. 2017.
Russo E, Guy GW. A tale of two cannabinoids: the therapeutic rationale for combining tetrahydrocannabinol and cannabidiol. Med Hypotheses. 2006;66(2):234-46. doi: 10.1016/j.mehy.2005.08.026. Epub 2005 Oct 4. PMID: 16209908
Thompson GR, Rosenkrantz H, Schaeppi UH, Braude MC. Comparison of acute oral toxicity of cannabinoids in rats, dogs and monkeys. Toxicol Appl Pharmacol. 1973 Jul;25(3):363-72. doi: 10.1016/0041-008x(73)90310-4. PMID: 4199474.
Comments