As doenças cardiovasculares estão entre as causas mais comuns de óbitos ao redor do mundo. No Brasil, essas doenças lideram como principal causa de morte, correspondendo a cerca de 400 mil mortes anualmente, ou seja, 30% de todos os óbitos no país. Esses dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) mostram o quanto é urgente trabalhar em múltiplas formas de prevenir as doenças cardiovasculares.
A Cannabis medicinal é uma ferramenta que pode contribuir nesse cenário. Pesquisas científicas mostram que o Sistema Endocanabinoide (SEC) regula e modula diversas funções cardiovasculares e os derivados canabinoides podem amenizar a progressão de algumas dessas doenças. Neste conteúdo, explicaremos melhor essa relação e o que já sabemos cientificamente a respeito.
Continue a leitura e entenda a importância de uma educação adequada na área, para aplicar esse conhecimento de forma segura e eficaz.
Relação entre Sistema Endocanabinoide e doenças Cardiovasculares
Estudos demonstram que os elementos químicos da Cannabis são capazes de proteger o endotélio vascular de condições como aumento de colesterol e aumento glicêmico. Por serem substâncias vasodilatadoras, os canabinoides também podem auxiliar no controle dos níveis pressóricos.
Os canabinoides exercem seus efeitos principalmente por meio da ativação dos receptores endocanabinoides CB1 e CB2, mas também atuam em múltiplos outros receptores como receptores adrenérgicos, acetilcolinérgicos, nicotínicos, dopaminérgicos e receptores de potencial transitório vanilóide tipo 1 (TRPV1).
Esta revisão bibliográfica sugere os benefícios dessa interação em uma série de processos cardiovasculares, incluindo vasodilatação, proteção cardíaca, modulação do reflexo barorreceptor no controle da pressão arterial sistólica e inibição da inflamação endotelial e progresso da aterosclerose em modelos murinos.
>> Leia a revisão completa aqui: Cannabinoids and cardiovascular disease: the outlook for clinical treatments.
Já esta outra revisão bibliográfica sugere o protagonismo do receptor CB2 nas doenças cardiovasculares, devido a seu papel antiinflamatório e imunomodulador. A revisão engloba resultados de estudos pré-clínicos que examinaram como a sinalização de receptores CB2 pode interferir na fisiopatologia de doenças cardiovasculares, com ênfase na aterosclerose e na isquemia.
>> Leia a revisão completa aqui: The Endocannabinoid System and Heart Disease: The Role of Cannabinoid Receptor Type 2.
CBD ou THC?
Evidências científicas demonstram diversas propriedades terapêuticas do canabidiol (CBD) e do tetra-hidrocanabinol (THC) – os dois fitocanabinoides mais comuns da planta Cannabis – nos mais variados quadros clínicos. Porém, no contexto das doenças cardiovasculares, é importante frisar que o uso de extratos predominantes em THC pode representar situações de risco para alguns pacientes.
Em um contexto de uso recreativo da planta, já foi demonstrado em diferentes trabalhos que os efeitos inotrópico e cronotrópico positivo do THC podem causar arritmias, incluindo taquicardia ventricular, aumento do risco de infarto agudo do miocárdio e potencialmente causar morte súbita. Entretanto, em um contexto de uso medicinal e estratégias prescritivas assertivas, esses riscos são significativamente minimizados.
Para entender mais sobre a farmacologia dos efeitos cardiovasculares dos derivados canabinoides, recomendamos esses dois trabalhos:
Por isso, é essencial ter uma educação adequada na área e individualizar os tratamentos, de modo a escolher o perfil de produto mais seguro para cada paciente. Além disso, ressaltamos a importância de não “mal interpretar” o THC, visto que esse fitocanabinoide reúne atributos terapêuticos únicos para diversas patologias, às quais podemos destacar:
Modulação da percepção do estímulo álgico;
Anti-espasmódico e relaxante muscular;
Inibição de náuseas e vômitos;
Indução do apetite e do sono.
Quanto ao CBD, muitos efeitos positivos têm sido observados em modelos experimentais de doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio, cardiomiopatias, miocardites), acidente vascular cerebral, encefalopatia hipóxica-isquêmica neonatal, complicações cardiovasculares associadas ao diabetes e lesões isquêmicas de fígado e rins. Nessas condições patológicas, o CBD diminuiu os danos e disfunções dos órgãos, o estresse oxidativo, processos inflamatórios e apoptose celular, dentre outros.
>> Confira mais nesse artigo: Review The Effects of Cannabidiol, a Non-Intoxicating Compound of Cannabis, on the Cardiovascular System in Health and Disease
Evidências científicas sobre Cannabis medicinal e doenças cardiovasculares
Outras evidências científicas que nos ajudam a compreender a relação entre Cannabis medicinal e doenças cardiovasculares incluem estudos pré-clínicos como esta pesquisa, que avalia os efeitos in vitro da administração de óleo de Cannabis e suas ações antioxidantes, bem como, no perfil lipídico sérico, peroxidação lipídica, nas respostas inflamatórias e integridade da célula endotelial.
No estudo em questão, camundongos alimentados com uma dieta rica em gordura receberam óleo de Cannabis por 8 semanas. Os resultados mostraram que o uso do composto reduziu os níveis de triglicerídeos séricos e colesterol de lipoproteína de baixa densidade na 6a semana da testagem.
Observou-se ainda uma diminuição no fator de necrose tumoral α e óxido nítrico. Os resultados apontam que a administração do óleo aliviou o dano às células endoteliais e a deposição de lipídios induzida pela dieta rica em colesterol. A relação entre a área da lesão e a área total da aorta foi de 19,57% para o grupo que fez uso de Cannabis, enquanto que no grupo controle essa relação foi de 24,67%.
>> Veja o experimento completo aqui: Cannabis Seed Oil Alleviates Experimental Atherosclerosis by Ameliorating Vascular Inflammation in Apolipoprotein-E-Deficient Mice.
Destacamos também este estudo que investiga o efeito protetor do terpeno β-mirceno no dano oxidativo e histológico no tecido cardíaco de camundongos causados por isquemia cerebral. Os resultados mostraram que as alterações degenerativas no tecido cardíaco foram melhoradas após a administração do terpeno, sugerindo o uso de β-mirceno como uma substância alternativa segura para a recuperação da sobrecarga e dano cardíaco após um AVC isquêmico.
>> Leia o estudo completo aqui: The protective cardiac effects of Β-myrcene after global cerebral ıschemia/reperfusion in C57BL/J6 mouse.
Também existem pesquisas científicas quanto ao uso de canabinoides – em especial o THC – no manejo do diabetes mellitus tipo I. Um exemplo é este trabalho cujo objetivo foi determinar se a administração crônica de baixa dose desse agonista parcial de receptor canabinoide poderia fornecer efeitos cardioprotetores nesse tipo de diabetes.
O diabetes foi induzido em espécimes de ratos machos de 8 semanas de idade, por meio de uma única dose intravenosa de estreptozotocina. Após a indução da doença, administrou-se THC através de injeção intraperitoneal por um período de 8 semanas, até que os animais atingissem 16 semanas de idade.
Após esse período, foram realizadas avaliações da reatividade vascular e da função ventricular esquerda e eletrofisiologia, bem como, marcadores séricos de estresse oxidativo e peroxidação lipídica. Os resultados indicaram que a administração de THC nesses animais diabéticos reduziu significativamente as concentrações de glicose no sangue e atenuou as alterações patológicas nos marcadores séricos de estresse oxidativo e peroxidação lipídica.
Esses resultados sugerem que o THC é capaz de melhorar a função miocárdica e vascular por meio de efeitos anti-hiperglicêmicos e antioxidantes, configurando-se, portanto, como um alvo de estudo em potencial para o tratamento de doenças cardiovasculares associadas ao diabetes.
>> Leia a pesquisa completa aqui: Δ9-Tetrahydrocannabinol Prevents Cardiovascular Dysfunction in STZ-Diabetic Wistar-Kyoto Rats.
Outros estudos sugerem os benefícios cardiovasculares do CBD em relação à redução da pressão arterial (PA). Nesta análise, por exemplo, 9 voluntários saudáveis do sexo masculino receberam 600 mg de CBD ou placebo em um estudo cruzado, duplo-cego e randomizado. Os resultados mostraram que a pressão arterial foi menor no grupo que fez uso de CBD.
>> Veja o experimento completo em: A single dose of cannabidiol reduces blood pressure in healthy volunteers in a randomized crossover study.
Essa revisão de pesquisadores brasileiros publicada nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia esclarece mais detalhes de como o Sistema endocanabinoide atua fisiologicamente na regulação da homeostase energética e no metabolismo de lípides e hidratos de carbono, configurando-se em uma promissora perspectiva terapêutica no controle de múltiplo fatores de risco cardiovasculares como a obesidade, dislipidemia, resistência à insulina e aterosclerose.
Apesar de as evidências em torno do uso dos canabinoides nas doenças cardiovasculares serem promissoras, é importante reforçar que essa prática exige formação qualificada na área, uma vez que conhecimento técnico adequado é frequentemente o determinante entre otimização de efeitos terapêuticos e modulação de potenciais efeitos adversos.
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